Livro reúne artigos de Paulo Vanzolini
Criador da teoria que explica a biodiversidade da Amazônia, aos 86 anos, ainda vai ao samba quinzenalmente. Pesquisador acredita que seu maior mérito foi perceber que a zoologia poderia ser mais do que só dar nome aos bichos
O zoólogo e compositor Paulo Vanzolini passou pelo exército, escapou de ser enviado para Itália na Segunda Guerra Mundial e rodou 11 mil km no rio Amazonas atrás de animais para o arquivo do Museu de Zoologia da USP, onde trabalhou por cerca de 50 anos.
Aos 86 anos, morando numa vila tranquila na Aclimação, em São Paulo, que fica perto de um bar que toca samba que ele frequenta quinzenalmente, Vanzolini recebeu a Folha para falar do livro recém-publicado "Evolução ao nível de espécie: répteis da América do Sul" [Editora Beca e Fapesp, 704 páginas, R$ 120,00].
A obra traz uma coletânea de 153 artigos do cientista impressos e em CD. "Minha vida está aqui", diz.
A peculiaridade da vida do zoólogo começa na maneira como ele decidiu seguir pela zoologia. "Aos 10 anos, fiquei encantado ao ver um descarregamento de cobras no Instituto Butantan." Pouco depois, ele já estagiava por lá.
Foi Carlos Vanzolini, um renomado engenheiro da USP, quem deu ao filho a bicicleta que o levaria até o Butantan pela primeira vez. Ele também ajudou a traçar a carreira acadêmica do filho de outras maneiras. "Toda vez que viajava, trazia um livro com as últimas novidades da biologia. Ele era meu melhor amigo", diz.
Foi também por meio do pai que decidiu fazer medicina para ser zoólogo, em vez de "filosofia" (não como o curso atual, mas envolvendo as chamadas ciências naturais, inclusive a biologia).
"Um amigo do meu pai me convenceu a fazer medicina. Essa decisão me poupou muitos créditos quando fui fazer doutorado em Harvard. Fiz a tese em 2,5 anos."
Carlos Vanzolini foi presença fundamental também no desenvolvimento de outra parte da carreira de Vanzo, como é conhecido: a música.
"Ele achava graça que eu me meti com música popular. Vira e mexe, ele me dava um chapéu de palha ou algum instrumento", lembra.
O "lado B" do zoólogo compositor começou na faculdade, quando começou a compor e recitava monólogos. "Outro dia uma senhora me ligou perguntando se eu ainda recitava porque ela queria fazer um monólogo no aniversário do marido."
Na carreira, muitos sambas de sucesso e uma coletânea de discos. A genialidade musical de Vanzo é comumente comparada a de Adoniran Barbosa. Se havia ciúmes? "Eu sou erudito e ele é pitoresco, mas o samba é igual pra todo mundo."
Biodiversidade
O lado boêmio do cientista, no entanto, não tirou o foco da sua, talvez, maior obsessão: a biodiversidade. Isso fazia dele um ponto fora curva, já que a biodiversidade não era foco de estudos naquela época.
"Fui muito combatido quando comecei a trabalhar. Eu queria colocar um conteúdo teórico na zoologia e meu grupo não aceitou isso."
A zoologia da época consistia basicamente em "dar nome aos bichos". "Eles achavam bonito nomenclatura. Isso não é zoologia."
Fugindo da nomenclatura pura, Vanzolini estava trabalhando na sua teoria da biodiversidade da Amazônia.
Coleção
Nos seus trabalhos, ele circulou 11 mil km no rio Amazonas em busca de espécies para o acervo do Museu de Zoologia. Cada viagem durava de dois a três meses. Entre expedições, leituras, música e laboratório, ficou amigo de figuras como José Midlin, Sérgio Buarque de Holanda e Paulinho da Viola.
"Uma vez Chico [Buarque] me chamou e disse: "fiz um samba, quer ouvir?" Era "Pedro Pedreiro"."
A música, diz Vanzo, nunca lhe deu muito dinheiro. Já da ciência ele não reclama. "Mas, se for comparar música e ciência, o que me deu mais prazer foi a vida."
Teoria sobre biodiversidade da Amazônia se mantém válida
"Quando eu tinha dúvidas, perguntava ao Vanzolini", diz o biólogo especialista em répteis Giuseppe Puorto.
À frente da diretoria do Museu Biológico do Instituto Butantan há 12 anos, ele relata que procurou o zoólogo algumas vezes, como, por exemplo, quando não consegui identificar sozinho um bicho visto numa expedição.
"Ele sempre me recebia com atenção. Até hoje não dá para estudar répteis sem citar o Vanzolini", diz.
Para Puorto, a história do zoólogo é um "exemplo de persistência". "Imagino o que o Vanzolini passou naquela época: um médico querendo estudar biodiversidade em zoologia", brinca.
A trajetória de Vanzolini, na opinião do biólogo, é comparável a de outro médico (imunologista) apaixonado por répteis: Vital Brazil.
Pioneiro, ele começou a estudar veneno de cobras no século 19- quando isso era considerado uma "bobagem" entre os cientistas. Tanto fez que acabou criando o Instituto Butantan.
Antes do incêndio que destruiu parte do seu acervo em abril, o Butantan tinha na sua coleção cerca de 80 mil serpentes, além de 450 mil aranhas e escorpiões coletados nos últimos 120 anos que também foram queimados.
"As coleções precisam ser muito bem cuidadas para não sofrerem nenhum tipo de prejuízo. O acervo que o Vanzolini ajudou a montar no Museu de Zoologia da USP tem um valor incalculável", analisa Puorto.
Quanto à teoria dos refúgios, Puorto destaca que nenhuma hipótese é eterna. "A ciência é dinâmica. Uma teoria será verdadeira até que seja lançada outra", explica.
A evolução da ciência cria possibilidades que um pesquisador de uma determinada época não teve acesso. No caso da zoologia, um exemplo disso é o desenvolvimento da genética para estudar a biodiversidade.
Mesmo assim, a teoria de Vanzolini ainda é a mais aceita para explicar a biodiversidade da Amazônia.
(Sabine Righetti)
(Folha de SP, 31/10)
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